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«A Mariana não é uma personagem caridosa.» - Maria Francisca Gama lança A Profeta


Como é fantástico conhecermos novos autores portugueses!


Em outubro de 2022, escolhemos Maria Francisca Gama para autora portuguesa do mês e foi um dos melhores livros deste ano.


A Profeta é um livro com cerca de 150 páginas, muito rápido de ler, mas que puxa a reflexão. Cada capítulo foca uma personagem diferente, pessoas que a Mariana vai encontrando ao longo do caminho; todas elas têm algo diferente para nos contar.


Não é um livro fácil de ler devido aos seus temas profundos e obscuros, mas a escrita da autora é uma lufada de ar fresco!


Em outubro, tivemos a oportunidade de falar com Maria Francisca Gama sobre A Profeta, as suas histórias e as fontes de inspiração para escrever:



Good Books (LGB): Olá, Maria!


Maria Francisca Gama (MFG): Olá, Ana Teresa!



LGB: Para os leitores que ainda não conhecem, como descreverias A Profeta?


MFG: A Profeta é um livro sobre uma mulher de trinta e quatro anos aparentemente normal, que tem uma rotina, um trabalho e uma vida solitária, mas que esconde um grande segredo: quer vingar as desgraças dos outros. Tem, aos olhos de alguns leitores, uma espécie de um superpoder, porque identifica as pessoas que estão a sofrer e aproxima-se delas para beber da sua dor e para a curar.

No entanto, não se deixem enganar: a Mariana não é uma personagem caridosa.

As pessoas com quem se vai encontrando estão a lutar contra fantasmas do passado, traumas profundos e cruéis, e ela só vê uma solução para o ultrapassarem: eliminarem quem as magoou.



LGB: Como surgiu a ideia para escreveres o livro?


MFG: Creio, agora com algum distanciamento, que o meu ponto de partida foi o facto de, numa sociedade profundamente católica cristã, nem todos acreditarem em Deus, e no crescimento cada vez mais notável de outras religiões/ movimentos de pessoas. Com as redes sociais, cada um de nós ganhou uma voz que se ouve na outra ponta do país, ou até do Mundo, e isso é muito poderoso. Quis falar sobre o poder da palavra, sobre o dom da oratória, e acerca da possibilidade (assustadora e fascinante) de, no século vinte e um, poder aparecer uma mulher que cria uma legião de fãs, de seguidores, que fazem o que quer que ela lhes diga, na expetativa da redenção das suas próprias vidas.



LGB: Com a Mariana conhecemos várias pessoas que abordam temas muito importantes. A própria Mariana tem um tema bastante forte, a fé. Quais foram as tuas fontes de inspiração para abordares estes assuntos tão atuais?


MFG: Queria que os leitores pensassem sobre determinados assuntos, como a violência doméstica ou as drogas, e respetivas consequências na fé de cada um. É mais fácil não ouvir alguém que nos diga “mata, é essa a solução” quando a nossa vida foi boa, sem percalços especialmente relevantes ou tenebrosos. Há vidas difíceis e histórias que, felizmente, passam ao lado da maioria de nós, mas que justificariam, hipoteticamente, alguém acreditar e seguir uma mulher que diga “toma este veneno, dá cabo dele, só assim vais ser feliz”.



LGB: Qual foi a parte mais difícil de escrever? E a mais fácil?


MFG: A parte mais difícil foi, sem dúvida, o capítulo da Luísa. Esta personagem é uma mulher prostituta, que foi violada em grupo quando estava no final da sua adolescência, e que desde aí ficou presa, refém de um vídeo da violação que temia que chegasse a público. Foi muito desafiante (e, com toda a honestidade, “puxado” emocionalmente) descrever essa violação e a vida dela daí em diante.

Não queria que esta história ficasse “pela rama”, queria que fosse dura, crua e fizesse jus a todas as mulheres que se viram violentadas nalguma altura das suas vidas.

A mais fácil diria que foi a construção física da personagem principal, a Mariana: percebo agora que a descrevi exatamente igual a mim (risos).


Maria Francisca Gama, autora d'A Profeta

LGB: Como foi a tua rotina de escrita para este livro?


MFG: Não lhe posso chamar uma rotina. Escrevi-o entre Lisboa e Buenos Aires, onde vivi durante seis meses, e sem a pressão de uma editora ou de uma data específica. Fi-lo quando tinha disponibilidade, entre o curso de Direito e a vida normal de uma rapariga de vinte e dois/ três anos, sem qualquer pretensiosismo ou expetativas.




LGB: Quanto tempo demoraste a escrever A Profeta?


MFG: Compactado, isto é, sem contar com os períodos de pausa, diria oito, nove meses. Depois o processo arrastou-se, naturalmente, com a revisão da editora e todo o processo normal (e muito bem conseguido, na minha ótica, pela Penguin) até à sua publicação.



LGB: Qual é a mensagem mais importante que queres dar aos leitores que leram o livro?


MFG: Não tenho essa expetativa, de deixar uma mensagem importante aos leitores. Leio muitos livros: alguns deles deixam-me uma mensagem/ lição/ reflexão, outros permitem-me “simplesmente” (e já é tão bom e raro num Mundo tão rápido!) passar um bom momento. Gostava que quem lesse A Profeta sentisse empatia pelas personagens, até pela Mariana, o que é difícil, dado que não se enquadra no estereótipo de uma “pessoa boa”… Mas a empatia deve ser trabalhada e nós nunca sabemos aquilo pelo qual os outros estão a passar. Se a literatura tem um papel, que seja o de nos fazer calçar os sapatos do outro e pensar “porra, estes são mesmo apertados, percebo a dor dele”.



LGB: Que nos podes dizer sobre os planos de escrita para o futuro?


MFG: Estou a escrever um romance, e escrevo todos os dias: muitas das vezes não para esse livro, ou para o meu blogue ou redes sociais. Estou só e despretenciosamente a fazer uma coisa de que gosto muito. Quero continuar a trazer histórias e a desafiar-me: vinte e cinco anos feitos este mês [outubro] e com muita vontade de, aos setenta, ter uma prateleira com coisas que escrevi e li e pensar “estou a fazê-lo melhor”.



LGB: Como encaras uma Folha em Branco?


MFG: Com entusiasmo. É sempre uma oportunidade, de criar e de ser. Escrever, para mim, é uma forma de me exprimir, sem qualquer pudor ou vergonha. Permite-me descobrir-me, descobrir os outros e conjeturar sobre para onde podemos ir, aquilo pelo qual passámos. Espero ter sempre a mesma fome de a preencher, tal e qual agora a sinto.

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